A decisão a favor da
ação ajuizada pela defesa do ex-presidente Lula se deu após a mudança de voto
da ministra Cármen Lúcia proferido em dezembro de 2018.
A Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (23) que o ex-juiz
federal Sérgio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva na ação do triplex do Guarujá. O placar sofreu uma reviravolta com a mudança
na posição da ministra Cármen Lúcia, que alterou o voto proferido em dezembro
de 2018. Com o entendimento da Segunda Turma, o caso terá de voltar à estaca
zero.
“Neste caso o que se
discute basicamente é algo que para mim é basilar: todo mundo tem o direito a
um julgamento justo e ao devido processo legal e à imparcialidade do julgador”,
disse Cármen Lúcia, ao iniciar a leitura do voto. A ministra buscou delimitar o
entendimento à questão específica de Lula na ação do triplex, tentando
delimitar os efeitos do julgamento. Um dos temores de investigadores é que a
declaração da suspeição de Moro provoque um efeito cascata, contaminando outros
processos da operação que também contaram com a atuação do ex-juiz.
“Tenho para mim que
estamos julgando um habeas corpus de um paciente que comprovou haver estar numa
situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que
seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros
procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi
comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição. Essa
peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me
atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao
comportamento do juiz processante em relação a este paciente”, acrescentou
Cármen.
O entendimento da
Segunda Turma do STF marca um dos maiores reveses da história da Lava Jato no
STF. A atuação de Moro em outra ação que levou à condenação de Lula na Lava
Jato (a do sítio de Atibaia) foi menor: coube ao ex-juiz da Lava Jato aceitar a
denúncia e colocar o ex-presidente no banco dos réus mais uma vez. A
condenação, no entanto, foi assinada pela juíza Gabriela Hardt, depois que o
ex-juiz já tinha abandonado a magistratura para assumir um cargo no primeiro
escalão do governo Bolsonaro.
Em seu novo voto,
Cármen Lúcia criticou a “espetacularização” da condução coercitiva de Lula,
determinada por Moro em março de 2016; a quebra do sigilo telefônico de
advogados que atuaram na defesa do petista; a divulgação de áudio entre Lula e
a ex-presidente Dilma Rousseff envolvendo a nomeação do petista para a Casa
Civil; e o levantamento do sigilo da delação premiada do ex-ministro Antonio
Palocci durante a campanha eleitoral de 2018. Para a ministra, esses episódios
“maculam” a atuação do ex-juiz federal da Lava Jato.
Indicado ao STF pelo
presidente Jair Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista (mais
tempo para análise) no início do mês, suspendendo a discussão sobre a atuação
de Moro ao condenar Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro na ação do triplex. Nesta tarde, Nunes Marques
surpreendeu ao votar contra o habeas corpus do petista.
Em seu voto, Kassio
afirmou que o habeas corpus não é o meio processual adequado para alegar a
suspeição de um magistrado. Kassio também contestou o uso de mensagens privadas
obtidas por hackers e atribuídas ao ex-juiz federal da Lava Jato e a
integrantes da força-tarefa em Curitiba para reforçar as acusações contra Moro.
Para o ministro, o teor das mensagens não pode ser usado para reforçar a
suspeição de Moro. Esses dois pontos foram rechaçados por Gilmar Mendes após a
leitura do voto do colega.
“Se o hackeamento
fosse tolerado como meio para obtenção de provas, ainda para defender-se,
ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, de seus bens e de sua liberdade,
tudo seria permitido. São arquivos obtidos por hackers, mediante a violação dos
sigilos ilícitos de dezenas de pessoas. Tenho que são absolutamente
inaceitáveis tais provas. Entender-se de forma diversas, que resultados de tais
crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade
hacker no Brasil”, afirmou Kassio.
Segundo o ministro,
se as mensagens fossem usadas para declarar Moro parcial, a prática “abjeta de
espionar, bisbilhotar a vida das pessoas, estaria legalizada e a sociedade
viveria um processo de desassossego semelhante às piores ditaduras”. “Não é
isso que deve prevalecer em sociedades democráticas”, frisou.
Kassio ainda levantou
dúvidas sobre a veracidade do material. “A inclusão de uma simples palavra pode
mudar todo o seu significado. Como confiar em provas fornecidas por criminosos?
Será que uma perícia poderia testar que as conversas interceptadas são
autênticas, sem a supressão de qualquer palavra? Isso sequer foi feito. Não
houve perícia”, disse.
Em entrevista ao
Estadão publicada no último dia 13, o relator da Lava Jato no STF, Edson
Fachin, disse que a Lava Jato teria o mesmo fim que a Operação Mãos Limpas teve
na Itália, se Moro fosse declarado parcial. “É a história de uma derrocada, em
que o sistema impregnado pela corrupção venceu o sistema de apuração de
investigação e de condenação dos delitos ligados à corrupção”, afirmou Fachin
na ocasião.
Com informações: GP1