Por: José Luiz de Carvalho
Os rústicos túmulos,
colados um ao lado do outro, existentes em um pequeno cemitério abandonado,
localizados na Fazenda Carnaúba Torta, na região do Rio Pirangi, desperta
curiosidade. Contam os mais antigos que ali foi enterrado um casal de jovens
cearenses, após terem sido mortos de forma fria e cruel por um pequeno grupo de
cavaleiros, vindos da região, além do rio Ubatuba, no pé da Serra da Ibiapaba.
No final do século
XIX, por volta do ano de 1888, ainda havia um forte sentimento conservador,
entranhado na sociedade, notadamente interiorana, onde as mulheres eram
criadas, desde meninas, sob uma forte educação voltada para o lar e o
casamento. A maioria desses casamentos era realizado por interesse entre as
famílias tradicionais. Naquela época, se uma mulher perdesse a virgindade,
passava a ser tratada de forma discriminada na sociedade e até mesmo no âmbito
na família.
É uma história
triste, porém uma realidade praticada na época do Brasil Império. Se uma moça
estivesse prometida para casar, ela não poderia mais ter outro relacionamento
de acordo com suas convicções de paixões. Não tinham as mulheres o direito da
livre escolha dos seus maridos.
Ao longo de muitas
décadas e até séculos, embora tenha sido muito combatido pelos legisladores,
estudantes do Direito e pelos movimentos defensores dos direitos humanos, as
estatísticas do século 21 ainda registram números crescentes de crimes
passionais contra mulheres, fazendo surgir leis duras, com severas penas, com
objetivo de minimizar esse problema, conforme Artigo 121 do Código Penal
Brasileiro.
No ano de 2015, com a
aprovação da Lei Federal 13.104/15, definiu o chamado feminicídio, termo novo,
porém amplamente utilizado na mídia e que trata, exclusivamente, do assassinato
de mulheres por razão de gênero.
O direito do homem,
de matar a sua mulher sob a alegação da legítima defesa da honra. foi
legalmente riscado do mapa da nossa história, com a promulgação da Constituição
Imperial de 1831, embora a prática desse tipo de crime continue até os dias de
hoje, sendo isso lamentável.
Em 1888, uma jovem
chamada Angélica, de 18 anos de idade, estava de casamento marcado para o
início do ano seguinte, mas a família já havia iniciado a confecção do seu
enxoval. O noivo era Manoel Pacifico, um jovem viúvo, sem filho, cuja esposa
havia morrido de parto, juntamente com a criança.
O casamento havia
sido combinado entre os pais, sem que a moça tivesse concordado. Naquela
pequena povoação, localizada no pé da Serra, os ricos fazendeiros viviam em
harmonia entre eles. Cada um mandando em suas terras que se estendiam por
muitas léguas. Eram verdadeiros senhores feudais.
Não era comum, mas
quando acontecia alguma desavença, essas geralmente eram resolvidas na base da
bala.
A moça mantinha, há
vários anos, um namoro, às escondidas, com um rapaz da mesma idade dela e que
morava perto da sua casa. A única pessoa que sabia severas penas, com objetivo
de minimizar esse problema, conforme Artigo 121 do Código Penal Brasileiro.
No ano de 2015, com a
aprovação da Lei Federal 13.104/15, definiu o chamado feminicídio, termo novo,
porém amplamente utilizado na mídia e que trata, exclusivamente, do assassinato
de mulheres por razão de gênero.
O direito do homem,
de matar a sua mulher sob a alegação da legítima defesa da honra. foi
legalmente riscado do mapa da nossa história, com a promulgação da Constituição
Imperial de 1831, embora a prática desse tipo de crime continue até os dias de
hoje, sendo isso lamentável.
Em 1888, uma jovem chamada
Angélica, de 18 anos de idade, estava de casamento marcado para o início do ano
seguinte, mas a família já havia iniciado a confecção do seu enxoval. O noivo
era Manoel Pacifico, um jovem viúvo, sem filho, cuja esposa havia morrido de
parto, juntamente com a criança.
O casamento havia
sido combinado entre os pais, sem que a moça tivesse concordado. Naquela
pequena povoação, localizada no pé da Serra, os ricos fazendeiros viviam em
harmonia entre eles. Cada um mandando em suas terras que se estendiam por
muitas léguas. Eram verdadeiros senhores feudais.
Não era comum, mas
quando acontecia alguma desavença, essas geralmente eram resolvidas na base da
bala.
A moça mantinha, há
vários anos, um namoro, às escondidas, com um rapaz da mesma idade dela e que
morava perto da sua casa. A única pessoa que sabia daquele relacionamento era a
mãe do jovem que dava cobertura aos poucos encontros que aconteceram entre os
mesmos.
O Coronel Pacífico
Andrade, pai do noivo, só tinha mesmo de pacífico o nome. O pai da noiva era um
veterano combatente do Exército Brasileiro e tinha sido delegado na cidade de
Sobral.
Capitão Raimundo
Rodrigues, o pai da noiva, era reformado do Exército, após ter sido ferido
gravemente, em combate, na Guerra do Paraguai.
O jovem Ramiro era filho
do fazedor de celas, chicotes, arreios e outros artigos em couro. Senhor Manoel
era também cearense, casado com uma maranhense chamada Raimundinha. Manoel e os
filhos, Ramiro e Bernardo, trabalhavam no pequeno curtume no quintal da grande
casa que ficava ao lado igreja.
O capitão era viúvo e
morava com uma governanta e com os filhos Venâncio, José e Angélica, em um belo
sobrado, no meio de um sítio, na mesma rua da igreja, distante apenas uns 1.000
metros.
Coronel Pacífico era
rico fazendeiro e morava com seus cinco filhos: três moças e dois homens. O
mais novo, Pedro, era advogado e Manoel era o encarregado das propriedades da
família. A sede da fazenda ficava pouco mais de uma légua do povoado.
Naquela região, as
famílias tradicionais costumavam realizar os casamentos entre elas, havendo o
jogo de interesse financeiro e político. O casamento seria um dos eventos mais
importantes daquelas redondezas. Na verdade, isso acabaria por se tornar numa
maior desavença entre as famílias Rodrigues e Andrade, iniciando uma série de assassinatos
que durariam por várias gerações.
Após uma conversa com
Angélica, com a ajuda da mãe, Ramiro preparou três cavalos; um deles foi
carregado com armas e mantimentos, o suficiente para uns dez dias, que era o
tempo necessário para chegar até o Maranhão, onde moravam seus parentes.
Raimunda tinha certeza de que, lá, Angélica e Ramiro estariam bem e poderiam
viver em paz.
Antes da meia-noite,
quando todos dormiam, no povoado, o casal iniciou a execução do plano de fuga,
parte saindo pelos fundos do sítio, em direção ao rio Ubatuba, na divisa do
Ceará com o Piauí. A ideia era manter uma diferença de seis horas à frente,
caso fossem perseguidos. Com certeza, no raiar do dia, alguém ia tomar
conhecimento do desaparecimento daqueles jovens.
O caminho era longo e
os campos estavam alagados, devido à estação chuvosa que naquele ano havia se
antecipado para o mês de dezembro.
Chegando ao rio que
estava cheio, era preciso encontrar um lugar mais raso para o cruzamento, sem
molhar as armas, roupas e os alimentos. Ramiro conhecia muito bem aquela
região, pois costumava fazer entrega de celas e outros artefatos em couro aos
clientes do seu pai.
Logo essa etapa
estaria superada. Galoparam pelos campos abertos do Piauí, entre os carnavais.
Tinham que seguir na direção contrária da nascente, com uma pequena inclinação
para o sul. Alta madrugada, era possível perceber os primeiros raios de sol.
Mesmo forçando os cavalos, tinham que manter o ritmo acelerado; era uma questão
de sobrevivência.
No povoado, a notícia
do “roubo da moça”, como era conhecido antigamente, um fato dessa natureza,
logo se espalhou e chegou à fazenda do Coronel Pacifico que ficou muito
revoltado com a vergonha que o filho estaria passando.
Para ele aquilo era
motivo de vingança com muito sangue. Determinou ao seu filho Manoel, o noivo,
que lavasse a sua honra com o sangue do seu rival, mas que trouxesse viva a
moça desonrada para entregar aos pais. Pacífico não queria ter problemas com o
velho combatente, o Rodrigues.
Manoel chamou cinco
dos seus homens mais valentes e mandando escolher os melhores cavalos, preparou
mais duas montarias com armas e mantimentos. Não sabiam ao certo a hora da
fuga, mas imaginavam que eles estivessem pelos menos umas nove ou dez horas à
frente. Seguiram também no rumo, olhando os rastros dos cavalos, ainda muito
visíveis no chão lamacento.
Fria e escura noite.
Próximo ao pequeno cerro, avistaram uma pequena cabana e em péssimas condições
de conservação, onde talvez tivesse servido de apoio aos trabalhadores do corte
de carnaúba. Uma parada maior era imprescindível, pois, após a saída do
povoado, na noite anterior, os cavalos estavam realmente cansados e com fome.
Enfadados da longa cavalgada, dormiram abraçados.
Era a primeira noite
deles juntinhos. Na manhã seguinte, às seis horas, continuaram a fuga, mantendo
o mesmo ritmo de galope. Seus cavalos eram jovens e fortes.
No dia seguinte, já
com o sol bem alto, Ramiro perdeu seu rumo. Quando já estava se desesperando,
encontrou uns homens tocando um comboio. Ao observar homens armados se
aproximando pelos flancos, Manoel Pacífico encerra o ataque e chama os seus
homens e todos fogem em seus velozes cavalos, deixando para trás os seus mortos
e feridos.
Três homens foram
encontrados: dois mortos e um gravemente ferido que não resistiu e morreu horas
depois. Ramiro também estava morto com uma bala no meio da testa. Angélica
estava também ferida com uma bala na região do estômago e outra no ombro. Viveu
ainda o suficiente para contar sua triste história aos caçadores. Fez o seu
último pedido, para ser enterrada com o seu namorado ali mesmo, desde que fosse
um ao lado do outro numa mesma cova e os mesmos tocassem fogos nos três outros
corpos.
Os caçadores fizeram, exatamente, conforme o seu pedido. A saga do casal morto, na região da fazenda Carnaúba, quase 140 anos depois, virou uma lenda na região do Vale do Rio Pirangi.
José Luiz de Carvalho
– Cronista, contista e poeta
- OBS: Obra de ficção literária
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